quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Retomada

Mais de um ano sem postar. Nunca mais li o que escrevi. Realmente o tempo voa. O Facebook toma muito meu tempo, pelo dinamismo de mensagens/conversas/posts. Mas está começando a ficar um pouco inchado e acaba que não consigo mais visualizar quem realmente interessa. Diferente do Instagram onde ainda há poucas pessoas, só imagens, tudo mais direto e instantâneo. As pessoas acabam se "curtindo" mais. Mas andei vendo tantos blogs ótimos que me inspiraram tentar retomar novamente a escrita. A reformulação e limpeza na página talvez também ajude a deixar tudo mais claro. Ou pode ser que eu não tenha vocação - ou treinamento - para escrever em blogs. Os blogs legais que vi, eram sempre com comentários curtos e pontuais sobre alguma coisa interessante e eu tenho o vício da escrita científica, sempre muito explicativa e prolixa... Mas, como os 42 estão sendo uma idade de crise - mudança de cargo, retomada da produção, reforma da casa... - escrever pode ajudar um pouco. Nem que seja escrever sobre trabalhos que gosto, que é o que passei a tarde fazendo...

sábado, 3 de setembro de 2011

Ryuichi Sakamoto 'The Sheltering Sky'

Paul Bowles: The sheltering sky - Bernardo Bertolucci Film

"Because we don't know when we will die, we get to think of life is an inexhaustible well. Things happen only a certain number of times. And a small number, really. How many times will you remember an afternoon of your childhood, an afternoon so deeply a part of you that you can't be  without it? Perhaps four or five times more. Perhaps not even that. How many times will you watch the moon rise? Perhaps 20. And yet it all seems limitless".

Ophélia - Sir John Everett Millais, Tate Gallery - Londres


Diários de viagem

Sempre tive certo encanto por diários. Ler o diário de outra pessoa é uma maneira de estar muito próximo de sua vida, sua rotina, seu dia-a-dia. Talvez seja uma das possibilidades de "representação" do aqui e agora de determinado sujeito sem qualquer pretensão. Diários geralmente são íntimos, particulares, portanto, sem a expectativa da grandeza, do espetáculo, da encenação dos reallity shows. Se alguém escreve um diário prevendo que este seja a chave de um enigma, ele já perdeu a vocação, já possui outro fim. Li o Diário de Andy Warhol inteiro e várias vezes, embora não se trate exatamente de um diário: trata-se de uma transcrição de conversas que ele mantinha com sua assistente, Pat Hackett, que compilou e publicou essas transcrições após a morte do artista. Segundo a editora, ela fez uma seleção, dentre muitos milhares de páginas, para algumas centenas que pudessem expressar o cotidiano do artista com a máxima fidelidade possível. Mas, nunca saberemos se não se trata de uma interpretação parcial feita pelo "outro". Recentemente caiu em minhas mãos outro diário. Quando a Escola de Belas Artes de Pelotas completaria 60 anos, a neta de sua fundadora, que herdou da avó todos os documentos sobre a Escola, disse que cumpriria a promessa feita: escreveria um livro e depois queimaria tudo. Fiquei atônito imaginando o que viria pela frente. Para minha surpresa, alguns meses depois Janice de Moraes Pires publicou, quase na íntegra, os diários de sua avó: "Memórias de Marina", que são os diários de Dona Marina de Moraes Pires, fundadora da EBA. O diário mistura vida privada com o envolvimento institucional da autora, imbuída de determinação para fundar uma escola de arte em Pelotas, e apresenta um retrato sobre o estilo de vida em certo período do século XX - de 1949 a 1972 - na cidade de Pelotas: as relações com a família, as preocupações com os filhos, o trato com os professores e os alunos, os artistas que viviam em Pelotas nesse período, além de relatos que nos fornecem uma impressão bastante rica da cidade naquela época: os cinemas, as missas, os restaurantes, as férias, as viagens, a cascata, os verões, os invernos... Enfim, um relato sem pretensões que registra aquele cotidiano. Volta e meia gosto de pegar esses diários a esmo e dar uma folheada, comparar o meu dia, com o mesmo dia há décadas atrás e ficar relendo aqueles dias. É uma narrativa sem grandes transformações, sem grandes enredos e é por isso mesmo que me atrai: as mudanças são aquelas cujo principal protagonista é o tempo que passa. Mas foi uma incrível coincidência que me fez pensar em tudo isso. Outro dia vi uma imagem que Dorotea Kremer postou no Facebook: Ophélia, de Sir. John Everett Millais. É uma pintura linda e tive a impressão de já tê-la visto, talvez na Tate Gallery. Lembrava muito do nome do autor, porque já havia escrito esse nome em minha vida. Lembrava de uma pintura dele que havia retido minha atenção na Tate Gallery em meio àquela infinidade de pinturas. Nossas visitas de turistas a museus em geral não permitem observações muito demoradas. São poucos dias, muitos museus e poucos objetivos para ver coisas específicas, mas eu sempre carregava uma caderneta para anotações e uma câmera fotográfica, para registrar o que fosse possível, por isso lembrava o local e o nome do artista. Curiosamente, não tinha certeza sobre a imagem. Passaram-se uns dois dias desde que vi e comentei esse post e tive que fazer uma mudança na área de serviços do meu apartamento. Para minha surpresa, abro uma caixa e encontro três pequenos cadernos, comprados numa livraria japonesa que conheci em Londres e mais tarde em Nova York chamada Muiji. Os cadernos são deliciosos, fininhos, tem capa marrom - aquele tom de papel pardo - com uma lombada cinza escuro ou marrom mais escuro e incitam à escrita. Abri o primeiro deles e as anotações da primeira página eram as seguintes:

Despesas no cartão

Londres - 01.09.98    £11,15 Muji

Tate Gallery.

Sir John Everett Millais

"Ophélia"

Continuei lendo o caderno que misturava informações, preços para controle de despesas, dados sobre registros fotográficos de obras de arte - naquela época a Internet ainda era uma coisa distante, então viajava e fotografava em filmes de slides para apresentar nas aulas depois. Passei para o segundo caderno e este sim era, de fato, um diário de viagem. Reli inteiro com a mesma avidez que leio alguma obra qualquer, com a diferença de que conseguia relembrar muitas coisas e não fazer a menor idéia de outras. Parece ter sido ontem, mas lá se vão exatos 13 anos. Consigo perceber em linhas gerais o que eu era naquela época, como era uma viagem, que mudanças ocorreram daquela data até hoje. Ainda havia uma menção freqüente a "comprar cartões e enviá-los por correio", uma prática que hoje está quase extinta, na medida em que conseguimos nos fazer presentes a quem está distante de maneira muito mais rápida e barata pela Internet. Lembrei que estava em Londres para conhecer o Pharmacy, restaurante-obra-instalação de Damien Hirst. Estive lá com dois amigos, Débora e Charles, que vivem em Londres até hoje, e escrevi minhas impressões sobre o lugar e sobre a arte contemporânea em 1998. Escrevi rapidamente sobre Londres, observações triviais de turista, capaz de se deter sobre coisas irrelevantes e achar que são significativas pela necessidade de estabelecer as primeiras referências num lugar ainda estranho. Finalmente, me vejo como alguém de 29 anos que vaga alegremente por Pubs e baladas em busca de encontros e desencontros possíveis: os encontros por acaso com amigos brasileiros em Covent Garden, o reencontro com amigos ingleses que conhecera um ano antes, os desencontros com Débora, que estava me hospedando e esqueceu de deixar a chave, uma noite vagando com Eduardo Chafe atrás de um hotel "bom e barato" ao invés de um "bed and breakfeast"... Enfim, verdadeiros pedaços, fragmentos, de um momento que já estava esquecido. O que me lembrou imediatamente a fala final de Paul Bowles no filme "O céu que nos protege", na qual ele menciona algo relativo a nossas pequenas lembranças perdidas na memória, sem as quais não seríamos o que somos hoje - e completa com uma observação relativa a nossa ilusão de infinitude. Quando fiz minhas primeiras tentativas de escrever num blog, ainda não tinha muito claro de como seria e do que se tratava, o que ainda hoje busco compreender melhor, embora não escreva muito. Intuo de que um blog seja algo que permita uma interlocução e se destine, de alguma maneira, "a um leitor". Sei que alguém poderá ler o que estou escrevendo, então "atuo" de certo modo. Um diário é diferente disso, e talvez seja por isso que diários me atraem: diários não têm a pretensão de serem lidos, são íntimos. O que é diferente de secreto. Não acredito que alguém escreva segredos em diários, até mesmo porque segredos a gente esconde até da gente mesmo. São apenas isso, relatos íntimos, um relato feito para o próprio sujeito que escreve entender as suas coisas, um movimento semelhante a se olhar no espelho: a gente pode se olhar a qualquer momento, quando se acha feio ao acordar pela manhã, quando se sente bonito ou feliz... A diferença é que a imagem do espelho é uma impressão fugaz e o diário é um registro de impressões. Então tento entender com certa nostalgia porque não escrevo um diário, ou porque não envio mais cartões quando viajo. Acho que é simples: porque as coisas mudam, a gente estabelece algumas prioridades, faz algumas escolhas – mesmo que essas escolhas sejam condicionadas. Até que um dia somos capazes de retomar, a partir de uma imagem no Facebook, um caderno que estava escondido no fundo da área de serviços e resgatamos uma torrente de lembranças que nos faz reavaliarmos se o que estamos fazendo é realmente importante e se não é possível retomarmos algumas coisas que foram deixadas pelo caminho. Assim, a vida parece deixar de ser um continuum linear e pode ser entendida como uma sobreposição possível de lembranças, sensações, impressões de diferentes lugares, em diferentes momentos e com diferentes pessoas – todas elas, partes constitutivas e imprescindíveis de nossa existência, sem as quais – retomando Paul Bowles – não existiríamos. Talvez diários catalizem essas impressões.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sessão da tarde

Como ainda estou num ritmo lento - no último encontro com o médico ele ressaltou a necessidade de um recondicionamento físico gradual - é bom e necessário passar as tardes em casa. Sobretudo com esses calores úmidos e tórridos. Então, muitas comédias românticas e filminhos leves, intercalados por algumas leituras igualmente leves. Aí resolvi retomar um livro que ganhei de um amigo, Jefferson: Marilyn e JFK. Um dia estava no apartamernto de Brod em Porto Alegre e vi esse livro por ali. Não imaginava o que o levaria a se interessar por esse assunto e tampouco eu já tinha me interessado sobre esse caso. Então ele abriu o livro e apontou para a epígrafe, que dizia o seguinte:

A ascensão de Marylin

"Os Federais haviam colocado escutas. Nas duas últimas semanas, ela tinha 'traçado' o disc-jóquei Allan Freed, Billy Eckstine, Fred Otash, Jon Ramar of the jungle Hall, o cara que limpava a piscina, dois entregadores de pizzas, o amestrador de Rin-Tin-Tin, o apresentador de talk-shows Tom Dugan e o marido da faixineira."

James Ellroy, 
American Tabloid

Algumas semanas depois, ganhei o referido livro de Jefferson. Comecei a folhar. A leitura é fácil, tem um ritmo empolgante de romance policial. Claro que, em alguns dias, não consegui dar continuidade a leitura e o livro acabou entrando para uma pilha crescente que se acumula na minha mesa de 'coisas que estou lendo'. Mas agora, neste período de calma, retomei-o. O autor é um francês, François Forestier. O livro é interessante por apresentar um ponto de vista histórico pouco evidente, sem pretender lançar mais uma teoria conspiratória a respeito da morte dos protagonistas. Nem toca nesse ponto, mas aponta para algumas curiosidades bem interessantes. A narrativa se concentra nos bastidores da vida de Marilyn e JFK, o que envolve a Máfia, FBI, CIA e Hollywood. Vários personagens tornados célebres pelo star sistem aparecem intercalados por nomes totalmente anônimos ao mundo do entertainement, afinal trata-se de espionagem. Franck Sinatra, Liz Taylor, Grace Kelly e outras estrelas de Hollywood vistas sob um prisma não tão glamouroso, mas ainda como mortais em busca da luz que iria eternizá-los. E de todos os esforços que precisaram fazer para alcançar o patamar que atingiram. O livro, no entanto, peca um pouco pelo tom demasiado ácido do autor. Isso o destitui de uma certa "neutralidade" que garantiria plena fidedignidade, mas talvez seja esse mesmo aspecto que lhe confira o ritmo empolgante. Forestier fala dos Kennedy como uma corja de irlandeses imundos e grossos, sempre envolvidos com a máfia ou o submundo do crime. E quem está por perto também. Às vezes o livro adquire um tom de ressentimento, de alguém que não pertence a certo universo e por isso precisa se vingar de quem vive num mundo de poder e riqueza. Apenas numa frase do livro Forestier concede um crédito a JFK: logo em seguida à morte de Marilyn "JFK está com as mãos livres para se ocupar dos mísseis soviéticos em Cuba. O que faz com brilho, evitando por um triz a devastação mundial". Quanto a Marilyn, talvez tenha sido o melhor papel que Norma Jeane interpretou. Quase um reallity show onde ela é a diva. Após o epílogo do livro, duas partes nos situam dentro do universo percorrido pelo autor, que nos informa suas fontes de pesquisa - uma vasta bibliografia sobre todos os personagens - e um In memoriam que nos diz como o futuro se encarregou de todos eles: a maioria morreu assassinada ou de câncer. Mais algumas curiosidades: ao mencionar o que aconteceu com um dos personagem, James J. Angleton, o autor informa que o arquivo Kennedy da CIA será aberto apenas em 2029; e depois de todas as conspirações e tentativas de assassinato, um dos únicos ainda vivos é Fidel Castro, que sobrevive numa Cuba agonizante, pós JFK e pós URSS.

FORESTIER, François. Marilyn e JFK. Tradução de Jorge bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.