terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Cyborg

Passados os dez dias definidos como prazo para avaliar a evolução de meus batimentos cardíacos, os médicos, sob a orientação do excelente, ponderado e competente Dr. Renato Kalil, vieram conversar comigo para confirmar que seria mais prudente a implantação de um marcapasso definitivo. A questão era a seguinte: meu coração estava ligado a um "gerador" externo, regulado para 40 batidas por minuto; as batidas oscilavam em torno de 50 a 55, ou seja ultrapassavam o marcapasso. O batimento numa pessoa normal é entre 60 e 80 por minuto. Há casos exepcionais, de pessoas que ultrapassam ou não alcançam esses índices e vivem bem. Meu primo comentou comigo que Falcão - o jogador - tinha uma frequência média de 30 batidas por minuto e isso lhe permitia alcançar alta velocidade em campo. Mas o fato não era esse, mas outro: o nível de oxigenação do sangue (tem termos técnicos para todas essas coisas, mas para minha cabeça já era demais). Esse índice de oxigenação em mim estava em torno de 80 a 85%, ou seja, baixo. Então eu corria o risco de ter feito toda a correção da CIA, CIV e EP com a tal cirurgia e continuar na mesma: me sentindo cansado, lento e com uma sobrecarga ao coração. Nesse momento comecei a apelar para o humor. Disse para os médicos que achava o termo "marcapasso" bem démodé, que preferia que fosse um tipo de chip ou então que começassemos uma pesquisa com Steve Jobs para desenvolver um aplicativo para o iPhone que ajudasse a controlar a freqüência cardíaca e os níveis de oxigenação do sangue! Também brinquei com os médicos que só me submeteria a isso se eles me dessem a garantia de viver pelo menos até os cem anos e ainda poder me tornar campeão de tênis!!! Passado isso, na manhã seguinte, sou conduzido novamente para o bloco cirúrgico para instalar o "gerador de impulso cardíaco" - um nome mais técnico para o tal marcapasso. O anestesista conversou comigo e informou que seria um procedimento simples - o ótimo é que lá tudo é "simples" - com anestesia local, eu ficaria sedado e não sentiria nada. E assim foi. Quando acordei ainda estavam com aquele pano azul bloqueando minha visão do corpo, mas finalizando alguma coisa que eu não podia - nem queria - ver. Saí dali e voltei para "meu" bloco dos transplantados na companhia de Seu Geraldo. Era esquisito responder para os médicos ou enfermeiros a pergunta: "Como você está se sentindo agora?" O corpo da gente tem tanto fio, tubo, cano que não tem o que sentir. Não dá pra saber direito nem se o que eu tenho é falta de ar, ou se é a posição meio de cabeça para baixo ou se é um outro fio que sai de algum lugar que a gente nem imagina. A partir daí passei mais dois dias em observação para saber se estava tudo sob controle. Nova bateria de exames, mas parece que tudo ainda não está 100%, pois talvez seja assim mesmo. O organismo precisa se readaptar a algumas de suas funções aos poucos - afinal, foram 41 anos funcionando de uma determinada maneira - com exercícios físicos e respiratórios para começar, gradativamente, a melhorar minha qualidade de vida. Assim espero. Fiquei sabendo, ainda no hospital, que minha amiga Alessandra havia passado por uma situação de alto risco na gravidez e precisou ser levada às pressas para o Rio. O bebê nasceu prematuramente, mas ambos já passavam bem. Liguei do hospital para ela e Tonton e também comecei a ligar e receber ligações de vários outros amigos que sempre estavam pedindo notícias. Isso foi me trazendo, lentamente, ao meu mundo. Ao sair do hospital meu destino, por alguns dias, é o apartamento de meu amigo Brod, que está no Uruguay. Não pude finalizar um auto-retrato para uma exposição que inaugurou no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, em Pelotas, na semana em que fui internado. Mas nesta minha vivência, elaborei um auto-retrato que postarei no blog e FB tão logo tenha concluído, espero que nos próximos dias com um texto que sintetiza toda essa experiência. Minha necessidade de escrita talvez tenha sido uma necessidade interna de sobrevivência, e pode ser muito chata para as pessoas lerem. Já estou começando exercícios com um fisioterapeuta e fazendo caminhadas diárias. Também já comecei a procurar especialistas que possasm tratar minhas cicatrizes  e deixá-las o mais discretas possível. Na quinta-feira deverei voltar para Pelotas, minha irmã virá me buscar. Fiz questão de encomendar muitos doces de Pelotas, daqueles mais bonitos e feitos pelas pessoas mais talentosas para distribuir no IC para todos os que direta ou indiretamente me ajudaram. Soube que Seu Geraldo havia comentado "que seu companheiro de quarto o havia ababndonado". Mas eu também passarei por lá antes de partir. Ainda estou pensando na celebração que pretendo realizar para todas as pessoas que de qualquer maneira manifestaram seu apoio, solidariedade e força neste momento, porque eu devo muito da minha capacidade de sobrevivência à crença que elas depositaram em mim! E como já havia afirmado anteriormente, não acredito em grandes redenções, mas em sobreposição de sentidos. Sou um semioticista. Saí do IC vestindo calça levi's e sapato comprados em NYC, camisa A|X, óculos D&G. Mas muitas outras coisas haviam sido sobrepostas aos sentidos que eu dava para vida.

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