domingo, 12 de dezembro de 2010
A rotina na UPO
Nos dias seguintes fiquei sabendo que permaneceria na UPO com o gerador externo de batimentos cardíacos até que meu coração alcançasse os índices normais - de 60 a 80 batidas por minuto, eu estava com 45. Isso poderia demorar três dias para os mais pragmáticos, ou até quinze para os mais cautelosos. Começava a tentar me acostumar com a idéia - e até já achava que seria melhor estar com um marcapasso! - e aos poucos me adaptava à rotina daquela cirurgia, que era o resultado de 40 anos de indecisão. Pouco a pouco fui conhecendo as estruturas e papéis hierárquicos claramente definidos naquele ambiente. E todas nuances que matizariam meus dias: as escalas de técnicos, de enfermeiros, de médicos, de fisioterapeutas, do pessoal da limpeza e de "nós", os objetos. A UPO pode ser considerada realmente um não lugar: os pacientes que saem da cirurgia são levados diretamente prá lá para acordar, ser desentubados, terem os sinais vitais avaliados e serem encaminhados para o quarto ou para UTI, dependendo da gravidade. Mas o meu caso foi diferente. Na UPO sentia um misto de dor, angústia e desconforto. Na primeira noite, ou seja, depois da sensação de ter "vivenciado" um dia, não consegui fechar os olhos. Nesse momento, e em minha ingenuidade, cheguei a uma conclusão de que se tratava da impossibilidade de "desintegração do ego". Já havia feito ecercícios respiratórios noutras situações da minha vida, sabia que ajudavam a relaxar, mas nunca tinha exercitado meditação. De maneira que minhas tentativas se mostravam ineficientes: quando começava um exercício respiratório,ou era interrompido pelo sono, mas um sono agitado, ou por alguma visão interna daquele ambiente hostil e totalmente estranho. A respiração era, assim, interrompida por um sobressalto que misturava uma sensação de falta de ar e/ou alguma cena estranha do entorno. Aos poucos comecei a conhecer as pessoas da UPO, os turnos, os grupos, as práticas, e a "comer líquidos". Na noite seguinte pedi para os médicos de plantão algo que me ajudasse a dormir - pensava que poderia ter uma noite tranquila, mesmo enrolado em todos aqueles fios, drenos e tubos enfiados pelo corpo. Não sei se foi a mistura de remédios, algum tipo de interação ou sei lá o que, mas adormeci logo em seguida. Não lembro de ter tomado remédios para dormir alguma vez. Porém, acordei de sobressalto umas três vezez ao longo da noite, sentado na cama e querendo fugir. Uma enfermeira viu e me repreendeu; permaneci na cama me contorcendo de ansiedade e esperando o dia amanhecer. A partir daí essa foi a paradoxal rotina da UPO que durou onze dias: uma sensação de não conseguir - nem querer - estabelecer algum vínculo com aquele lugar de dor e sofrimento, associado a difícil e quase impossível tentativa de resgatar memórias e lembranças de meu mundo anterior, pois, além daquele entorno, havia um desconforto físico contínuo. Na noite seguinte fui trocado de bloco. Me deixaram num bloco mais central de onde via outros três pacientes pós-operatórios. Minha tia foi me visitar e eu solicitei que ela fechasse a cortina de meu bloco, mas a enfermeira informou que o procedimento padrão era as cortinas permanecerem abertas. Nessa noite relatei o problema do sono ocorrido com os remédios para dormir e a medicação foi substituída. Às 5h da manhã eu sonhava quando chegou o técnico com o aprelho de Raio X. Me ergueram, colocaram a chapa fria nas minhas costas, pediram para eu respirar fundo enquanto aquela máquina que parecia saída de uma série de Guerra nas Estrelas subia em minha direção para fazer o exame. Quando o técnico se afastou de mim com aquele robô e me deixou descoberto sobre o leito fui acometido por uma sensação de pânico e terror por não saber o que era sonho ou realidade, até a enfermeira sussurrar no meu ouvido que era um exame, mas que eu também estava sonhando. No dia seguinte, mais uma novidade: seria trocado novamente de bloco. Iria para o bloco dos transplantados, pois era mais reservado e ali eu e outro paciente ficaríamos mais sossegados. "Mais um paciente?" Fiquei incrédulo, pensei nos meus planos de saúde e quase cheguei agitar um "motim" chamando minha família e reivindicando meus direitos! Mas já não entendia bem o que acontecia, então decidi deixar as coisas assim mesmo e ver o que aconteceria...
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